Associar a excelência como investigador à competência como professor é
prerrogativa rara. Em José Sebastião e Silva (1914-1972) essa
associação foi constante ao longo de toda a sua vida. Certamente
um dos matemáticos portugueses de maior projeção internacional, foi
autor de notáveis trabalhos científicos que contribuíram para novas
linhas de estudo e de investigação.
Nascido em Mértola, no Alentejo, muito cedo se manifestou o seu gosto
pela Matemática e a sua facilidade de a expor. Manuel Delgado, no seu
livro sobre Beja e os bejenses mais ilustres, testemunha que “entre os
anos de 1925 e 1930, era frequente ver o Sebastião e Silva dar
explicações de Matemática e doutras disciplinas, nos bancos dos jardins
da cidade ou nas mesas do velho Café Luís da Rocha”. Nos anos que se
seguiram ao termo da sua licenciatura lecionou em colégios
particulares, antes de se tornar bolseiro do Instituto para a Alta
Cultura, em 1940.
Ainda estudante de licenciatura, em 1936, José Sebastião e Silva inicia
o seu primeiro trabalho de investigação e, em 1939, integra-se no
Movimento Matemático que então surgia em Portugal. Em 1940 é criado o
Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa, pelo Instituto para a Alta
Cultura, e é-lhe atribuída uma bolsa, fazendo assim parte do primeiro
grupo de investigadores desse centro orientado por António Aniceto
Monteiro. Publica os seus primeiros artigos na Portugaliae Mathematica,
em particular, o «Método de Silva» para a aproximação de raízes
algébricas com impacto em Análise Numérica.
Em 1942 inicia o seu percurso como docente no ensino universitário,
como 2.° assistente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Nas suas aulas introduz novas abordagens aos temas que leciona,
procurando acompanhar a evolução e a modernização da própria ciência.
José Morgado afirmaria mais tarde: “Dos cursos de Complementos de
Álgebra que conheci, o melhor foi o curso feito por Sebastião e Silva”.
Deve-se-lhe em particular a renovação do ensino da Análise que, a par
com os seus trabalhos de investigação, foi determinante no aparecimento
e formação de novos professores e investigadores.
Durante a sua estada em Itália, entre 1943 e 1946 - onde conviveu com
os matemáticos Federigo Enriques, Francesco Severi, Guido Castelnuovo,
Mauro Picone e Luigi Fantappié - desenvolve investigação em Lógica
Matemática e em Análise Funcional. Os resultados que obtém, sobre a
fundamentação da teoria dos funcionais analíticos na sua tese
Doutoramento, despertam interesse a nível internacional, tendo
influenciado trabalhos de vários matemáticos, entre os quais, Gottfried
Köthe e Alexandre Grothendieck.
Com a sua tese de doutoramento (1949), dá um contributo importante para
o desenvolvimento da teoria dos espaços topológicos. Uma noção de
convergência então introduzida, viria a conduzir à definição de uma
nova classe de espaços localmente convexos, os espaços (LN*). Estes
foram apresentados no Congresso Internacional de Matemáticos de 1954,em
Amsterdão, ficando posteriormente conhecidos por «espaços de Silva».
Nos vários textos que redige sobre o ensino universitário, é clara a
sua preocupação sobre toda a problemática que o envolve. As suas
reflexões abrangem desde linhas gerais até aos pormenores de programa e
de forma de ensino. Como Professor de Matemática no Instituto Superior
de Agronomia e na Faculdade de Ciências de Lisboa, tem em conta a
especificidade do ensino: “diferenças de finalidade que se refletem
necessariamente em diferenças de programas e mais ainda numa
divergência das orientações pedagógicas a imprimir nos cursos”.
A Teoria das Distribuições, que valeu a Laurent Schwartz a Medalha
Fields em 1950, foi objeto de uma reformulação axiomática por Sebastião
e Silva. Em 1964 organiza em Portugal um Curso Internacional sobre a
Teoria das Distribuições onde participaram cientistas de 19 países,
entre os quais o próprio Schwartz e Jacques-Louis Lions. Esta teoria e
algumas das suas aplicações à Física e à Técnica foram tema de
múltiplos seminários e cursos que ministrou em instituições portuguesas
e estrangeiras.
Conduz, a partir de 1963, o Projeto de modernização do ensino da
Matemática no 3.º ciclo liceal, com impacto nacional e internacional.
Foi um projeto de reforma curricular profunda que teria que ser
realizada “não só quanto a programas, mas também quanto a métodos de
ensino” e, como dizia, constituir um “ensino vital de ideias (...),
mais do que exposição mecânica de matérias”. Redige os textos de apoio
– Compêndio de Matemática e Guia para a utilização do Compêndio de
Matemática. Estes textos, em conjunto com outros anteriores como o
Compêndio de Álgebra (em parceria com Silva Paulo) e o de Geometria
Analítica Plana, livros únicos adotados até 1970, continuam a ser uma
referência atual.
Pelas reformas que protagonizou, os pareceres que emitiu sobre os
vários níveis de ensino, do primário ao superior, os textos de
referência que escreveu, pelo seu envolvimento na formação de
professores e pelos discípulos que deixou, José Sebastião e Silva
desempenhou um papel inovador e determinante no ensino da Matemática em
Portugal e em língua portuguesa.
Sob a sua direção, o Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa é
restabelecido em 1952. Aí, durante vinte anos, criou discípulos e
orientou pós-doutorandos de outros centros de investigação, portugueses
e estrangeiros. Acompanhou de perto o movimento matemático
internacional participando em congressos, reuniões e colóquios.
Preocupado em seguir linhas de investigação contemporâneas, promove
contactos que mantiveram o intercâmbio entre a comunidade matemática
nacional e internacional